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TJSP começa a aplicar decisão do STJ para penhorar salário de devedor

Em um dos casos, foi deferida a penhora de 10% do salário de R$ 4.174 de um devedor para quitar dívida de R$ 42.657,19

Em 19 de abril, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) relaxou uma regra que proibia a penhora do salário do devedor. Com a decisão do STJ, devedores que ganham menos que 50 salários mínimos poderão ter seus salários penhorados. Passados pouco mais de um mês da decisão, a reportagem do JOTA identificou alguns casos em que o precedente foi citado em acórdãos no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) e no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). 

 

Os desembargadores da 36ª Câmara de Direito Privado do TJSP, por exemplo, reverteram, com base no REsp 1.874.222 do STJ, uma decisão que havia negado a penhora de 30% do salário de um devedor.

 

Para os julgadores, a proteção conferida ao devedor não pode tornar-se meio de impedir a satisfação do credor, em favor de quem se processa a execução.

 

No caso, o devedor é assessor parlamentar e tem recebimento líquido mensal de R$12.091,95, enquanto o débito alcança o valor total de mais de R$272 mil. Desta forma, para o relator Milton Paulo de Carvalho Filho, “justifica-se autorizar a penhora sobre 15% da remuneração auferida pelo agravado, por ser percentual modesto e que não prejudica a sua subsistência”. A decisão foi tomada no processo de número 2092071-84.2023.8.26.0000.

 

A 30ª Câmara de Direito Privado do TJSP também determinou a penhora de parte de salário de um devedor que recebe uma remuneração bruta de  R$ 4.174,75 para quitar uma dívida de R$ 42.657,19 com a Fundação São Paulo, mantenedora da Pontifícia Universidade de São Paulo (PUC-SP).

 

Embora o credor pedisse um bloqueio de 30% do salário, os desembargadores entenderam que o percentual de 10% seria “capaz de assegurar paulatinamente o adimplemento da dívida, sem prejuízo de outras tentativas de constrição patrimonial, ou até mesmo de revisão do valor, a depender de majoração remuneratória” ao mesmo tempo que não prejudicaria a remuneração para fins de sobrevivência. O caso foi julgado no processo de número 2058601-62.2023.8.26.0000.

 

Há um julgado similar também no âmbito do Direito Público. A 4ª Câmara de Direito Público do TJSP concordou com um pedido do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e liberou a penhora de 30% da aposentadoria de um ex-vereador de Assis para o pagamento de uma condenação por improbidade administrativa.

 

O ex-parlamentar foi condenado às penalidades de multa civil, equivalente a sete vezes o valor da remuneração por ele percebida enquanto vereador por fraude a licitação. Ele recebe uma aposentadoria que oscila entre R$ 3 mil e R$ 5mil por mês e um salário de R$ 2 mil a R$ 3 mil como técnico em radiologia. O valor da dívida atualizada hoje gira em torno  de R$ 152 mil. A ação tramita com o número 2229913-43.2022.8.26.0000.

O que dizem os especialistas?

Maurício Bunazar, professor de Direito Civil da Universidade Presbiteriana Mackenzie e do IBMEC-SP, acredita que a decisão do STJ foi acertada. ‘O acórdão, além de reconhecer a excepcionalidade da penhora, apontou os requisitos que devem estar presentes para que ela ocorra”, afirmou.

 

Ele considera que os impactos da decisão serão positivos, já que as dívidas validamente constituídas devem ser pagadas e as imunidades patrimoniais contra a execução por dívidas devem ser excepcionalíssimas.

 

”Embora esteja fora de moda relacionar Direito e Justiça, a verdade é que Aristóteles já há bastante tempo qualificou o juiz como sendo a justiça em movimento, cuja função passa por adaptar a lei (necessariamente geral e abstrata) às especialidades do caso concreto”, afirmou.

 

”Não tenho dúvidas de que os pedidos de penhora de salário aumentarão”, prosseguiu. ”Mas é importante que os advogados e juízes observem rigorosamente os parâmetros estabelecidos no acórdão do STJ”, concluiu Bunazar.

 

Paula Abi-Chahine, especialista em Direito Processual Civil e professora do Insper, a decisão do STJ é boa no sentido de possibilitar que o devedor, profissional liberal ou assalariado, que tenha rendimentos em torno de 20, 30 ou 40 salários-mínimos, mas não tenha bens passíveis de penhora, arque com o cumprimento de suas obrigações. Mesmo para salários menores, é necessário considerar que há um débito a ser quitado.

 

”É claro que isso dependerá da casuística e que o ônus de provar que o salário do devedor é suficiente para o seu sustento e de sua família é do credor, que precisa demonstrar nos autos, inclusive, que a parte penhorada não lhe seria demasiadamente onerosa ou desproporcional. Trata-se de uma exceção e, portanto, deve estar bem fundamentada ao ser deferida pelo juiz”, prosseguiu a professora.

 

A tendência, para ela, é que a partir de agora aumente o número de pedidos de penhora de salário, especialmente nos processos de execução em que as tentativas de localização de outros bens penhoráveis sejam . ”Assim como vimos no caso das medidas atípicas para constrição de bens, recentemente debatido no STF, como por exemplo a possibilidade de apreensão de CNH e passaporte”, finalizou. 

 

Sidnei Amendoeira Junior, advogado, professor dos cursos de pós-graduação em Direito Processo Civil da FGVLaw e de graduação da FGV Direito SP, considera o precedente excelente, mas acredita que ele pode se tornar perigoso se for mal aplicado e se os contornos não forem muito bem delimitados pelo próprio STJ. Ele sustenta que se for bem aplicado, pode-se dizer que foi criado um precedente bom, que irá contribuir para melhorar a execução, mas sua aplicação deve ser feita com muito cuidado.

 

”A decisão do STJ foi a seguinte: é possível relativizar a penhora, mas isso só de forma absolutamente excepcional. Somente se todos os outros meios ordinários de penhora fracassarem será possível penhorar o salário. E isso será possível somente se houver a preservação da dignidade e a subsistência do executado”, relembrou.

 

”E o que é a dignidade e a subsistência?”, questionou. ”É o conceito. Pessoas que têm condições diferentes, têm padrão de vida diferente, e que podem ter necessidades diferentes. Então, a gente tem um problema aqui”.

Casos em que a penhora do salário do devedor foi negada

A 23ª Câmara de Direito Privado do TJSP decidiu não penhorar o benefício previdenciário de uma devedora  que recebia R$ 2.067,58 (SP-PREV) e R$ 1.100,00 (INSS). Sustenta, ainda, que deveria ser aplicada a orientação jurisprudencial que autoriza a penhora de 30% dos honorários de aposentadoria e benefícios do executado. A dívida, para o cumprimento de uma sentença por dano moral, é de R$6.235.

 

”Para além da natureza não alimentícia da dívida exequenda, os valores recebidos a título de benefício previdenciário são modestos, no importe de 2,5 salários mínimos, também não excedendo o quantitativo legal (cinquenta salários mínimos) estabelecido como exceção à impenhorabilidade”, escreveu a relatora Heloísa Mimessi em acórdão do processo que tramita com o número 2040521-50.2023.8.26.0000.

 

No mesmo tribunal, a 15ª Câmara de Direito Privado julgou outro caso de forma semelhante. Por unanimidade, o tribunal declarou a impenhorabilidade sobre qualquer percentual do salário do devedor, que recebe vencimento líquido de menos de R$ 3 mil. Já o valor da dívida é de R$ 3.645,75. Para os desembargadores, é ”inadmissível a penhora parcial de seu salário, a fim de se preserve razoável e adequadamente sua subsistência”. A ação tramita com o número 2037534-41.2023.8.26.0000.

 

No Rio de Janeiro, a 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ), também decidiu não penhorar uma parte do salário de uma devedora que foi encontrada em uma conta. A Corte seguiu o voto do relator, o desembargador André Andrade.

 

No caso, o município do Rio de Janeiro busca o pagamento de uma dívida de R$73.782,42 decorrente do não pagamento de ISS. A empresa encerrou as atividades em decorrência da morte de um dos sócios e a dívida está sendo cobrada da sócia que permanece viva.

 

Para o desembagador, não se desconhece que a impenhorabilidade de verba salarial não é absoluta, nem que é cabível a constrição de valor inferior a 50 salários-mínimos, ante a possibilidade de flexibilização desse patamar, disposto no artigo 833, § 2º, do Código de Processo Civil, segundo recente entendimento da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

 

O desembargador ainda ressalta que a penhora da remuneração salarial da devedora na conta mantida em um banco, no montante de R$8.808,45, para quitar o débito fiscal de R$183.116,18, não se revela razoável. Isso porque, segundo ele, a constrição de valores, de caráter salarial, em sua integralidade, não garante a dignidade da agravante, ofendendo, portanto, o princípio da execução menos gravosa para o devedor. ”Dessarte, impõe-se o desbloqueio dos valores penhorados, na esteira da jurisprudência deste Tribunal de Justiça”, concluiu Andrade.

O caso tramita como 0076752-42.2022.8.19.0000.

Fonte: Jota

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