A denominada Reforma Trabalhista trouxe à pauta a discussão sobre o enquadramento do acidente de trajeto como acidente de trabalho, e, com isso, eventuais direitos dele decorrentes, como a estabilidade (observados os requisitos mínimos).
Antes da vigência da Reforma Trabalhista, a CLT previa que se tratando de local de difícil acesso ou não servido por transporte público em que o empregador fornecesse a condução, este período deveria ser considerado como tempo à disposição do empregador, e com isso, de trabalho.
Veio então a equiparação do acidente de trajeto ao acidente de trabalho através da previsão contida Lei nº 8.213/91, em seu art. 21, inciso IV, alínea “d”. A referida legislação trata dos benefícios previdenciários e dispõe que o acidente ocorrido na ida ou volta da casa ao trabalho é acidente profissional.
No entanto, a Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista) alterou a CLT, deixando de considerar como tempo à disposição do empregador aquele despendido pelo empregado de sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho, bem como o caminho reverso. Por essa razão, há quem defenda que o acidente de trajeto deveria deixar de ser equiparado ao acidente de trabalho. Esta posição é sustentada pelo fato de que, como a norma que prevê a equiparação (Lei de benefícios previdenciários) é anterior à Reforma, teria sido tacitamente revogada.
Aliado a esta tese, há também quem se respalde na alteração do FAP (Fator Acidentário de Prevenção).
O SAT (Seguro contra Acidentes do Trabalho), também denominado RAT (Riscos Ambientais do Trabalho), é uma contribuição previdenciária paga pelo empregador sobre a folha de salário dos empregados destinada a custear os benefícios acidentários e a aposentadoria especial. A alíquota do RAT/SAT varia entre 1%, 2% e 3%, a depender do enquadramento da empresa.
O FAP é um multiplicador que varia de 0,5 a 2 pontos e é aplicado sobre as alíquotas do RAT/SAT, beneficiando aquelas empresa que investem em segurança e saúde do trabalho/trabalhador e, por outro lado, aumentando o percentual daqueloutras que possuem alto índice de ocorrências de acidentes e/ou doenças ocupacionais.
A Resolução nº. 1.329 do Conselho Nacional de Previdência (CNP) de 2017 excluiu o acidente de trajeto das hipóteses que influenciam no multiplicador do FAP e o fez levando em consideração que o “trajeto” não está sob a ingerência do empregador. Em outras palavras, não há como o empregador investir em melhorias desta condição, razão pela qual não pode ser prejudicado. Portanto, por coerência com a razão de ser do FAP, houve a exclusão do acidente de trajeto de seus critérios, o que corroborou, segundo os defensores, com a tese que o acidente de trajeto deve deixar de ser equiparado a acidente de trabalho.
Ocorre, no entanto, que ambas as sustentações de não equiparação do acidente de trajeto com o acidente de trabalho são suscetíveis a interpretações diversas.
A tese que se respalda na Reforma Trabalhista é arriscada, pois, a exemplo do acidente ocorrido em trajeto servido por transporte público, ou seja, que não era considerado tempo à disposição do empregador, mesmo antes da reforma, ainda assim o acidente era equiparado a acidente do trabalho. Somente não havia responsabilidade civil do empregador por sua ocorrência.
Além disso, a Lei de benefícios previdenciários prevê outras hipóteses em que mesmo antes da Reforma Trabalhista não era considerada como tempo a disposição do empregador. Exemplo disso é o acidente ocorrido durante o intervalo intrajornada, em que o empregado não está à disposição do empregador, mas é equiparado (art. 21, §1º).
Por fim, o fato de o acidente de trajeto ter sido excluído do FAP está intimamente ligado com a natureza da criação deste instrumento e não com o fato de os trajetos casa-trabalho e trabalho-casa serem (ou não) considerados como tempo à disposição do empregador.
Ademais, convém ressaltar que a responsabilidade civil pelos danos sofridos pelo empregado em razão do acidente, continuará sendo objeto de averiguação nos casos concretos, haja vista a amplitude de situações que podem ocorrer na vivência prática.
Podemos concluir, portanto, que, embora progressistas, as teses acima possuem respaldo jurídico e podem ser levadas às autoridades judiciais enquanto estas não se posicionarem definitivamente sobre o tema em questão, afinal, sabe-se que a justiça do trabalho tem como fonte as decisões de seus juízes.
Gabriel Coelho Pontin.
OAB/PR nº 91.099